havia, porém, algo diabólico naquela figura e, principalmente, um não sei quê que exerce atração sobre os artistas. Imaginem uma testa calva, abaulada, proeminente, projetando-se sobre um nariz pequeno e achatado, de ponta arrebitada como o de Rabelais ou Sócrates; uma boca risonha e enrugada, um queixo curto altivamente erguido, ornado com uma barba grisalha aparada em forma de ponta; olhos verde-mar, aparentemente embaciados pela idade, mas que, pelo contraste com o branco nacarado em que flutuava a pupila, deviam por vezes lançar olhares magnéticos durante um acesso de raiva ou de entusiasmo. O rosto era, aliás, curiosamente enrugado pelo cansaço da idade e mais ainda por esses pensamentos que cavam tanto a alma quanto o corpo. Os olhos já não tinham cílios e mal se notavam ainda uns vestígios de sobrancelhas nas arcadas salientes. Ponham esta cabeça sobre um corpo franzino e frágil, emoldurem-na com um rendado resplandecendo de alvura e trabalhado feito uma espátula para peixe, ponham sobre o gibão preto do idoso uma pesada corrente de ouro e terão uma imagem imperfeita dessa personagem a quem a pouca luminosidade da escada emprestava, além disso, uma coloração fantástica. Parecia até uma tela de Rembrandt andando em silêncio e sem moldura na escura atmosfera de que o grande pintor se apropriou
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