segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Ensaio: O último gaúcho ressuscitado



Naquela manhã cinzenta de primavera, não sei por que, resolvi pesquisar na internet sobre Carlos Reverbel, talvez por ter lido, há muito tempo, algumas de suas crônicas na Folha da Tarde ou no Correio do Povo.

Num dos documentos que baixei para ler no meu tablet, o Caderno de Letra nº 9, uma revista do Curso de Letras da Universidade de Pelotas, dedicada à lembrança dos oitenta e seis anos da morte de João Simões Lopes Neto, encontrei um artigo escrito por João Claudio Arendt, que mostra o resultado de uma enquete realizada por Reverbel com intelectuais da época para identificar as dez obras literárias mais importantes da bibliografia sul-rio-grandense.

Naquele levantamento, verifiquei que Lopes Neto aparecia em segundo lugar, apenas sendo superado por Viagem ao Rio Grande do Sul – 1887, de Saint-Hilaire.

Olhando com mais acuidade essa lista das obras, percebi que muito de nossa cultura se perdeu com o tempo e, obras fundamentais, não estão digitalizadas e disponíveis para leitura em nossos computadores e, pior, desaparecerão devoradas pelas traças e cupins.

Uma obra ali que me chamou a atenção foi Antônio Chimango, do Amaro Juvenal. Esta, talvez pela sua importância, consegui baixar pela internet e depois fui pesquisar a biografia do autor.

Quem pesquisar por Amaro Juvenal vai cair na biografia do Ramiro Barcelos, onde lemos que Amaro Juvenal foi o pseudônimo usado por ele para escrever o poema campestre Antônio Chimango, hoje considerado uma joia da literatura gauchesca, elaborado entre 1910 e 1915, em razão de uma briga política contra seu primo Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), então presidente do estado do Rio Grande do Sul.

Além de extremamente sucintas as biografias, os links das ligações externas e as referências na Wikipédia estão desatualizados, o que é lamentável.

Acho que nossos professores poderiam pôr seus alunos trabalhar na pesquisa bibliográfica desses nomes fundamentais que fizeram a história de nosso estado e a atualizar seus perfis na Wikipédia, antes que o tempo apague todo nosso passado. Quando lemos biografias em inglês, notamos como são detalhadas e ricas em informações; parece que não temos amor pela nossa cultura mesmo.

Pensando nisso e na pobreza de informações sobre nosso passado, saí para o almoço e na volta, enquanto caminhava pelo Mercado Público, tive um sobressalto quando me deparei, de viés, com um gaúcho, trajado a rigor e com toda a pompa de nossa figura tradicional: ali estava toda a cultura do estado, condensada numa só pessoa, pensei.

Sim, é muito frequente vermos em nossa capital tipos trajando ao estilo gauchesco, principalmente vindos do interior, mas este que eu estava vendo era algo diferente: caminhava com dificuldade, usava chapéu com a aba muito larga, tinha a estatura mediana, era gordo mas ainda demonstrava força e rigidez no corpo, tinha talvez 80 anos, usava bombacha, botas cano longo, camisa floreada.

Seria ele o Blau Nunes ressuscitado, pensei, enquanto lembrava essa figura mitológica descrita por Lopes Neto. 

Apressei o passo, ultrapassei-o e parei logo adiante, junto de uma parede, próximo de uma das entradas do Mercado.

Dali, naquela feição, fiquei observando o velho gaúcho andar a passos lentos e com dificuldade em minha direção.

Então, quando ele estava bem próximo, percebi suas feições: seu semblante era típico dos habitantes da fronteira, que aqui na cidade chamamos de tipo criolo e que ele realmente andava com dificuldades, quase se arrastando; sua face era cor de chocolate, talvez amarronzada e seu andar mostrava a dureza da vida campestre.

- Esse é o último típico gaúcho, disse para o guarda que se postava diante de mim.
Ele olhou para o gaúcho, do outro lado, e não disse nada, apenas sorriu.

- Ele vem aqui com frequência, perguntei.

- Não, respondeu o guarda secamente e com segurança, mostrando que também estava intrigado com aquela estranha pessoa.

- Acho que ele pode ser do interior, disse, enquanto o gaúcho desaparecia, lentamente, por entre as pessoas.

- Pode ser, respondeu o guarda sorrindo.

Dei um último sorriso, olhei novamente para o fundo do mercado tentando ainda localizar o gaúcho, mas ele já havia desaparecido.

Olhei então novamente para o guarda e recomecei minha caminhada, agora pensando no Martin Fierro, de José Hernández ...

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